Maria e José unidos formam o núcleo de humanização do Filho de Deus no meio de nós. E o que falamos da Sagrada Família se estende a todos nós em suas devidas proporções.
Fr. Jonas Nogueira da Costa, ofm
Celebrar o Natal do Senhor é elevar aos céus um louvor pelo precioso dom que é família. Família é um dom de Deus. Tanto é que, quando não assumida como um dom divino, ela se transforma numa espécie de “trator” que vai achatando, conformando tudo a um asfalto barato que logo se vê cheio de buracos, ocasionando, não poucas vezes, acidentes. A família que não se assume como dom divino é um agrupamento de pessoas que para manter mínimos níveis de convivência massacram muito do potencial de felicidade que existe em todo ser humano.
Deus escolheu se fazer humano e com isso escolheu também a família como lugar de humanização. Quando dizemos que a família é o lugar da humanização, estamos afirmando que foram Maria e José que ensinaram ao Verbo encarnado a forma como as pessoas se relacionam, aprendem a se respeitar, valorizar a intimidade dos afetos, a trabalhar, enfim, a se fazer um “ser social”.
Maria e José unidos formam o núcleo de humanização do Filho de Deus no meio de nós. E o que falamos da Sagrada Família se estende a todos nós em suas devidas proporções.
Dizer que a família, na sua identidade pensada à luz do mistério da encarnação, é o lugar da humanização implica honestas revisões no nosso modo de tratar do tema. A composição das famílias em nossos dias não pode ser submetida ao tríplice formato de “branco/burguês/normativo”. Esse formato é uma idealização da classe média nos seus sonhos de consumo sacralizadas nas campanhas de margarinas. Tão falidos que nem essas campanhas mais insistem nisso, mesmo que já se tenha impregnado tais imagens em muitas mentes intoxicadas pelo pouco uso do pensar crítico.
As inverdades contidas nesse “tríplice formato familiar” são tão abusivas que elas impedem de ver o óbvio, que é o fato das famílias se estruturam de modos dinâmicos, que não podem ser classificados como “arranjos” diante de padrões familiares impostos. Um “arranjo” dá a ideia de algo que é apenas tolerável. Afeto não é meramente tolerável, a violência doméstica em nome da “estética burguesa” jamais é tolerável, a negligência da presença afetiva dos pais com seus filhos não é tolerável, entre outras situações que não podem ser consideradas normais.
Se nós negligenciarmos valores profundamente humanos, como o respeito, a liberdade, a não-violência, a expressão do afeto, o diálogo numa convivência familiar fazemos com o que foi escolhido por Deus como “lugar de humanização” uma produtora em série das mais diferenciadas patologias.
Tem-se dito algo muito interessante: “Infância é chão que se pisa a vida inteira”. Dando o devido mérito a essa expressão só podemos concluir que a família, só cumpre o seu papel divinamente querido por Deus, se ela, com todas as suas limitações, oferece um chão para suas crianças em que elas se saibam profundamente amadas. E fazer com que a pessoa se sinta amada é parte integrante da nossa profissão de fé na encarnação, pois se Deus, em seu Verbo Divino, quis se fazer pessoa, é porque toda e qualquer pessoa é infinitamente merecedora de amor. A escolha foi de Deus em favor da humanidade, logo, a humanização entendida como vivência do amor é algo sagrado.
O amor é o que torna a família sagrada, pois ele é uma participação na intimidade do mistério trinitário; é uma participação no silêncio amoroso da Sagrada Família do qual sabemos apenas o essencial: que Jesus era o centro daquela união casta.
Vivemos em tempos de terríveis guerras, de desequilíbrio ecológico, de frequentes e diversas formas de violência, de injustiças e tantas coisas que nos desumanizam. Contudo, somos convidados a olhar para Jesus e com Ele, Maria e José. Nesse nosso olhar, mostrar à Sagrada Família o tanto que queremos nos empenhar para que nossas famílias sejam um lugar de “humanização” mais fundamental, um lugar onde todos se aprendam a amar e respeitar, a ser gentis e bondosos, para que, a partir de nossos lares, sejamos um sinal do Reino de Deus para o mundo, para a glória do Pai.