Catequese do Papa: Cuidado com o mito da eterna juventude, rugas são símbolo da vida

Catequese do Papa: Cuidado com o mito da eterna juventude, rugas são símbolo da vida

A velhice tem uma beleza única: caminhamos rumo ao Eterno.

O Papa Francisco, em continuidade ao seu ciclo de catequeses sobre a velhice, na Audiência Geral desta quarta-feira (8/6), realizada na Praça São Pedro, se inspirou na figura do ancião Nicodemos.

Nicodemos é um dos chefes dos Judeus e está entre as pessoas idosas mais relevantes nos Evangelhos. No seu diálogo com o Mestre, manifesta-se o coração da revelação de Jesus e de sua missão redentora: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).

Quando Jesus lhe diz que é preciso “nascer do Alto”, Nicodemos apresenta como objeção a velhice. Mas, à luz da palavra de Jesus em resposta a este questionamento, descobrimos que a velhice não é um obstáculo a este novo nascimento, e sim o tempo oportuno para entendê-lo. O “nascimento do Alto”, nos permite entrar no Reino de Deus. É uma nova geração no Espírito.

O mito da eterna juventude

Para o Pontífice, esta objeção é muito instrutiva, pois a nossa época e a nossa cultura mostram uma tendência preocupante. O nascimento de um filho é considerado como uma simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano e cultivam então o mito da juventude eterna como a obsessão – desesperada – da carne incorruptível.

A velhice, segundo o Papa, é desprezada porque traz a prova irrefutável do despedimento deste mito, que nos faria regressar ao ventre da mãe, para sermos eternamente jovens no corpo. Uma coisa é o bem-estar, disse o Santo Padre, outra coisa é a alimentação do mito, com inúmeras cirurgias e tratamentos estéticos. O Papa citou uma frase da atriz Anna Magnani, que não queria que suas rugas fossem tocadas, já que havia levado uma vida inteira para tê-las.

É isto: as rugas são um símbolo da experiência, um símbolo da vida, um símbolo da maturidade. Não tocá-las para se tornar jovens, mas jovens no rosto: o que interessa é toda a personalidade e o coração permanece com aquela juventude do vinho bom que quanto mais envelhece, melhor fica.”

Os idosos são os mensageiros da ternura

A vida em nossa carne mortal é uma belíssima obra inacabada, como algumas obras de arte que, apesar de incompletas, possuem um fascínio único. Porque a nossa vida aqui na terra é iniciação, e não consumação. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do Reino de Deus ao qual estamos destinados, nos torna capazes de ver os sinais de esperança nesta nova vida em Deus. A velhice é a condição na qual o milagre do “nascimento do Alto” pode ser assimilado intimamente e tornar-se sinal de credibilidade para a humanidade.

Nesta perspectiva, a velhice tem uma beleza única: caminhamos rumo ao Eterno. Ninguém pode voltar a entrar no ventre da mãe, nem sequer no seu substituto tecnológico e consumista. Isso seria triste, mesmo que fosse possível. O velho caminha para a frente, em direção ao destino, rumo ao céu de Deus. A velhice é um tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática de uma sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do útero criador e gerador de Deus.

O Papa então destacou uma palavra: a ternura dos idosos, a ternura com a qual se relacionam com os netos. Este carinho nos ajuda a compreender o amor de Deus. “Deus é assim, sabe acariciar.”

“Os idosos são os mensageiros do futuro, os mensageiros da ternura, os mensageiros da sabedoria de uma vida vivida. Vamos em frente e olhemos para os idosos, conclui o Papa Francisco.”

Abaixo você confere na íntegra a catequese:

Catequese sobre a Velhice 13. Nicodemos. “Como pode um homem nascer, sendo já velho?” (Jo 3,4)

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Entre as figuras idosas mais relevantes dos Evangelhos está Nicodemos – um dos chefes dos judeus – o qual querendo conhecer Jesus, mas foi secretamente ter com ele de noite (cf. Jo 3, 1-21). Na conversa de Jesus com Nicodemos, emerge o coração da revelação de Jesus e da sua missão redentora, quando diz: «Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna» (v. 16).

Jesus diz a Nicodemos que para “ver o reino de Deus” é preciso “nascer do alto” (cf. v. 3). Não se trata de nascer de novo, de repetir a nossa vinda ao mundo, esperando que uma nova reencarnação reabra a nossa possibilidade de uma vida melhor. Esta repetição não tem qualquer significado. Aliás, esvaziaria a vida que vivemos de todo o significado, apagando-a como se fosse uma experiência falhada, um valor caducado, um descarte. Não, não é isto, este nascer de novo do qual fala Jesus: é outra coisa. Esta vida é preciosa aos olhos de Deus: ela identifica-nos como criaturas ternamente amadas por Ele. O “nascimento do alto”, que nos permite “entrar” no reino de Deus, é uma geração no Espírito, uma passagem através das águas para a terra prometida de uma criação reconciliada com o amor de Deus. É um renascimento do alto, com a graça de Deus. Não é um renascer fisicamente outra vez.

Nicodemos interpreta mal este nascimento, e questiona a velhice como evidência da sua impossibilidade: o ser humano envelhece inevitavelmente, o sonho da eterna juventude afasta-se definitivamente, o desgaste é o ponde de chegada de qualquer nascimento no tempo. Como se pode imaginar um destino que tem a forma de nascimento? Nicodemos pensa assim e não encontra o modo de compreender as palavras de Jesus. O que é este renascimento?

A objeção de Nicodemos é muito instrutiva para nós. Com efeito, podemos inverter, à luz da palavra de Jesus, a descoberta de uma missão própria da velhice. De facto, ser idoso não só não é obstáculo ao nascimento do alto do qual Jesus fala, mas torna-se o momento oportuno para o iluminar, libertando-o do equívoco de uma esperança perdida. A nossa época e a nossa cultura, que mostram uma tendência preocupante para considerar o nascimento de um filho como uma simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano, cultivam então o mito da juventude eterna como a obsessão – desesperada – de uma carne incorruptível. Por que é a velhice – de muitos modos – desprezada? Porque traz a prova irrefutável do abandono deste mito, que nos faria regressar ao ventre da mãe, para sermos eternamente jovens no corpo.

A técnica deixa-se atrair por este mito de todos os modos: à espera de derrotar a morte, podemos manter o corpo vivo com medicamentos e cosméticos, que abrandam, escondem, removem a velhice. É claro que o bem-estar é uma coisa, a alimentação do mito é outra. Não se pode negar, contudo, que a confusão entre os dois aspetos nos está a causar confusão mental. Confundir o bem-estar com a alimentação do mito da juventude eterna. Faz-se tanto para recuperar esta juventude: muitas maquiagens, tantas cirurgias para parecer jovem. Vêm-me à mente as palavras de uma sábia atriz italiana, Anna Magnani, quando lhe disseram que deveriam tirar-lhe as rugas, e ela respondeu: “Não, não as toqueis! Foram necessários tantos anos para as ter: não as toqueis”. É isto: as rugas são um símbolo da experiência, um símbolo da vida, um símbolo da maturidade, um símbolo de ter percorrido um caminho. Não as toqueis para vos tornardes jovens, mas jovens de rosto: o que importa é toda a personalidade, o que interessa é o coração, e o coração permanece com aquela juventude do vinho bom, que quanto mais envelhece, melhor é.

A vida em carne mortal é uma lindíssima obra “incompleta”: como certas obras de arte que precisamente na sua incompletude têm um encanto único. Porque a vida aqui em baixo é “iniciação”, não conclusão: viemos ao mundo assim mesmo, como pessoas reais, como pessoas que progridem na idade, mas são reais para sempre. Mas a vida na carne mortal é um espaço e um tempo demasiado pequeno para se manter intacta e levar à conclusão a parte mais preciosa da nossa existência no tempo do mundo. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do Reino de Deus ao qual estamos destinados, tem um extraordinário primeiro efeito, diz Jesus. Permite-nos “ver” o reino de Deus. Tornamo-nos verdadeiramente capazes de ver os muitos sinais de aproximação da nossa esperança de cumprimento por aquilo que, na nossa vida, traz a marca do destino para a eternidade de Deus.

Os sinais são os do amor evangélico, em muitos aspetos iluminados por Jesus. E se pudermos “vê-los”, podemos também “entrar” no reino, com a passagem do Espírito através da água que regenera.

A velhice é a condição, concedida a muitos de nós, na qual o milagre deste nascimento do alto pode ser intimamente assimilado e tornado credível para a comunidade humana: não comunica nostalgia do nascimento no tempo, mas amor pelo destino final. Nesta perspetiva, a velhice tem uma beleza única: caminhamos rumo ao Eterno. Ninguém pode voltar a entrar no ventre da mãe, nem sequer no seu substituto tecnológico e consumista. Isto não dá sabedoria, não dá caminho percorrido, isto é artificial. Seria triste, mesmo que fosse possível. O velho caminha para a frente, o idoso caminha em direção ao destino, rumo ao céu de Deus, o idoso caminha com a sua sabedoria vivida durante a existência. A velhice, por conseguinte, é um tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática de uma sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do útero criador e gerador de Deus. Aqui, gostaria de sublinhar esta palavra: a ternura dos idosos. Observai como um avô ou avó olha para os netos, como acaricia os netos: aquela ternura, livre de todas as provas humanas, que superou as provações humanas e capaz de oferecer gratuitamente o amor, a proximidade amorosa de uns aos outros. Esta ternura abre a porta para compreender a ternura de Deus. Não nos esqueçamos que o Espírito de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Deus é assim, sabe acariciar. E a velhice ajuda-nos a compreender esta dimensão de Deus que é ternura. A velhice é o tempo especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática, é o tempo da ternura de Deus que cria, cria um caminho para todos nós. Que o Espírito nos conceda a reabertura desta missão espiritual – e cultural – da velhice, que nos reconcilia com o nascimento do alto.  Quando pensamos na velhice desta maneira, dizemos depois: por que então a cultura do descarte decide pôr de lado os idosos, considerando-os não úteis? Os idosos são mensageiros do futuro, os velhinhos são mensageiros da ternura, são mensageiros da sabedoria de uma existência vivida. Vamos em frente e olhemos para os idosos.


Saudações:

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa, em particular os membros do Centro Nacional de Cultura de Portugal e da Associação “Evangelizar é preciso”, de Curitiba, no Brasil. Irmãos e irmãs, o Espírito Santo nos ajude a compreender a velhice como período no qual – abandonado o mito da eterna juventude – aprendemos o que significa “nascer do alto” e somos reconciliados com nosso destino eterno. Que Deus vos abençoe!


Resumo da catequese do Santo Padre:

Nicodemos, um dos chefes dos Judeus, está entre as pessoas idosas mais relevantes nos Evangelhos. No seu diálogo com o divino Mestre manifesta-se o coração da Revelação de Jesus e de sua missão redentora: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Quando Jesus lhe diz que é preciso “nascer do Alto”, Nicodemos apresenta como objeção a velhice. Mas, à luz da palavra de Jesus em resposta a esta objeção, descobrimos que a velhice não é um obstáculo a este novo nascimento, e sim o tempo oportuno para entendê-lo. O “nascimento do Alto”, que nos permite entrar no reino de Deus, é uma nova geração no Espírito. A vida em nossa carne mortal é uma belíssima obra inacabada, como algumas obras de arte que, apesar de incompletas, possuem um fascínio único. Porque a nossa vida aqui na terra é iniciação, e não consumação. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do reino de Deus ao qual estamos destinados, nos torna capazes de ver os sinais de esperança nesta nova vida em Deus. A velhice é a condição na qual o milagre do “nascimento do alto” pode ser assimilado intimamente e tornar-se sinal de credibilidade para a humanidade.

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