Entrevista com frei Wander de Oliveira Souza, ofm

Entrevista com frei Wander de Oliveira Souza, ofm

Os frades são, em primeiro lugar, uma presença pacífica de homens orantes que procuram também se integrar nos espaços onde nós encontramos a presença tanto de cristãos, muçulmanos e judeus.

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm

Frei Wander, você esteve na Terra Santa durante seis anos. Conte-nos um pouco sobre sua experiência junto àqueles lugares.

 No período em que estava a serviço da Custódia da Terra Santa, morei basicamente em Belém, que se encontra na Cisjordânia (território palestino) por um período de cinco meses.  Depois, o restante da minha experiência, – exceto numa breve passagem pela Itália eu estive em Jerusalém, mais precisamente no convento São Francisco ad Cenacolum chamado popularmente de Cenacolino, um pequeno santuário no Monte Sião, que faz memória de dois eventos principais da vida de Jesus: a última ceia com os apóstolos e algumas aparições do Ressuscitado, e depois o envio do Espírito Santo, Pentecostes. Poderíamos dizer ainda que este lugar tem importância direta no próprio nascimento da Igreja

É também uma região que marca o início da presença franciscana em Jerusalém. O antigo convento foi apropriado durante o período Islâmico. E com a constituição do Estado de Israel, ele passou para o controle do Estado de Israel. Os frades têm direito de uso de maneira especial em dois momentos: na Liturgia da Palavra da Quinta-feira Santa, com ritmo do Lava-pés e depois com a oração das vésperas no dia de Pentecostes.

Como você percebia a convivência entre israelenses e palestinos? Você já teve alguma experiência significativa neste sentido?

A respeito da convivência entre israelenses e palestinos, eu destacaria que a minha ida para a Terra Santa se deu logo após a chamada Guerra de Gaza, em 2014. Houve, naquela ocasião, um conflito forte, talvez com um impacto bem menor do que o atual conflito, mas eu fui logo, no cessar fogo, um período de trégua.

Naquele período, os grupos em 2015 voltaram a circular novamente, mas entre julho, agosto houve novamente uma série de atentados.

Como você vê a importância dos Frades para a manutenção da paz naqueles territórios?

Os franciscanos, ao longo dos 800 anos de presença na Terra Santa, sempre procuraram, orientados por São Francisco, por aquilo que diz a nossa Regra, em ser uma presença pacífica. Os Frades não vão para fazer proselitismo, ou até mesmo algum tipo de militância política, mas vão para ser uma presença de paz, de assistência de uma maneira especial às comunidades cristãs, mas não só.

Acredito que nos nossos conventos e instituições ligadas aos frades, como escolas, até mesmo os nossos santuários, espaços orientados para a cultura, como é o caso dos museus, ou até mesmo dependências dos conventos que contam hoje com um grande acervo cultural, procuram acolher a todos e colocar aquilo que nós fomos construindo ao longo da história à disposição das comunidades locais.

Os frades são, em primeiro lugar, uma presença pacífica de homens orantes que procuram também se integrar nos espaços onde nós encontramos a presença tanto de cristãos, muçulmanos e judeus. Acredito que é um grande testemunho.

 Existe também um testemunho de perseverança, de resiliência ao longo dos oito séculos de presença franciscana na Terra Santa. Foram inúmeros os conflitos, momentos um pouco mais tranquilos, momentos de crise sanitária, como foram as pestes, inclusive vários frades morreram no atendimento não só a cristãos, mas também judeus e muçulmanos. Atravessamos todo esse período crítico da pandemia, sempre mantendo nessa perspectiva da fidelidade a esse mandato, primeiro a inspiração de Francisco e depois ao mandato da Igreja, que foi sendo reiterado ao longo dos séculos, de guardiões e custódios dos Lugares Santos.

Há um outro elemento a ser destacado com relação às crianças. Parece óbvio, mas nenhuma criança nasce preconceituosa ou violenta, porém, as crianças desde muito pequenas ouvem palavras de ofensa, de agressão, porque foram ensinadas ou incentivadas pelos adultos.

Onde eu morava, já nos confins com o bairro de judeus ortodoxos, nós notávamos isso. Por outro lado, a Custódia tem experiências muito interessantes, sobretudo a partir dos espaços educacionais, com escolas de música, tanto na educação básica e de ensino fundamental.  Geralmente muçulmanos e cristãos estudam juntos nas nossas escolas.

Na escola de música há ainda uma participação de judeus que são professores. São poucos os alunos que frequentam, mas para dizer que tanto a Custódia quanto outras entidades religiosas, se empenham em promover uma educação integradora que possibilite um espaço de convivência voltado para crianças e adolescentes que venha a integrar as diferenças.

Como entender que alguns grupos religiosos justifiquem a violência em nome de Deus?

A violência em nome de Deus, em nome do Sagrado, decorre, dentre outras coisas, do fundamentalismo religioso que, no meu entendimento, infelizmente, voltou a crescer nos últimos anos. E eu diria fundamentalismo em ambos os lados, o que serve também de alerta para nós cristãos, cristãos católicos. Toda a atitude ou comportamento reacionário pode naturalmente dificultar o diálogo, porque reconhece o outro como um inimigo, como um potencial destruidor dos valores ou bens que eu acredito.

Nos últimos anos, esses grupos vêm adquirindo espaço dentro da política. O Hamas tem um apelo religioso, como tem também partidos conservadores de extrema direita judaica, que são exatamente os impulsionadores desses assentamentos em território palestino e nos últimos governos israelenses, pouco a pouco esses grupos vêm se fortalecendo. No meu entendimento, um dos grandes desafios é exatamente essa fusão, essa aproximação de uma compreensão fundamentalista da religião com a política reacionária, o que acaba gerando ou potencializando os conflitos.

Como a presença da comunidade cristã sobrevive diante deste conflito entre judeus e muçulmanos?

A comunidade cristã sobrevive com uma série de desafios. Um dos primeiros desafios que eu destaco é que a maior parte dos cristãos – que são minoria, tanto no Estado de Israel quanto na Palestina – são de origem árabe. Então, em meio à disputa entre Israel e Palestina, quando nós nos referimos à Palestina, nós estamos nos referindo à cultura árabe. Então, eles sofrem o impacto da política. Muitos deles, inclusive, estão em territórios que são disputados por esses dois estados, ou pelo menos estão em áreas de fronteira. E são regiões que vivem uma certa tensão. Por exemplo, o Belém, Beit Sahur, Beit Jallah, estão já nos confins com Jerusalém.

Depois, nós temos também uma pequena comunidade cristã de origem judaica, que não deve ser nada fácil, porque são cristãos e, ao mesmo tempo, cidadãos de Israel. Isso deve gerar um certo conflito, mas não saberia dizer além disso.

Por ser membro de uma minoria religiosa que pertence a esse grupo étnico palestino que vem sofrendo de maneira mais intensa os impactos da guerra, é claro que a guerra ou a violência são impactantes dos dois lados e, portanto, ela deve ser rechaçada, reprovada. A população cristã sofre na pele, porque boa parte dos cristãos sobrevivem do turismo, do turismo religioso, da manufatura do artesanato local, que acaba sendo comprometido diante desse contexto de guerra, de conflitos.

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