Marcos: o evangelista da esperança e o difícil caminho de volta às origens! (Mc 16,15-20)

A Igreja celebra, no dia 25 de abril, a memória do evangelista Marcos, ou João Marcos, um judeu convertido ao cristianismo, oriundo da segunda geração de cristãos.

Frei Jacir de Freitas Faria [1]

O texto que inspira a nossa reflexão é Mc 16,15-20. A Igreja celebra, no dia 25 de abril, a memória do evangelista Marcos, ou João Marcos, um judeu convertido ao cristianismo, oriundo da segunda geração de cristãos. Marcos era filho de uma discípula de Jesus, de Jerusalém, chamada Maria (At 12,12.25).

Ele teve uma relação paternal com Pedro (1Pd 5,13). Juntamente com seu primo Barnabé (Cl 4,10), Marcos acompanhou Paulo na sua primeira viagem missionária no sul da Ásia Menor (At 13,1—14,28). Pelo fato de Marcos ter abandonado a viagem, quando eles estavam na Panfília, Paulo ficou irritado e não o aceitou na sua segunda viagem missionária. Por isso, Barnabé rompeu com Paulo, e seguiu com Marcos para Chipre. Mais tarde, Marcos e Paulo restabeleceram os laços de amizade.  

O contexto histórico, no qual Marcos escreve o seu evangelho, pode ser situado entre os anos 60 e 70 E.C. Nesse período, a primeira geração de cristãos, as testemunhas oculares, aquelas que conviveram com Jesus, dentre elas, os apóstolos, já tinham morrido. Na segunda geração de cristãos já estavam presentes gentios, pessoas que não conheciam as tradições judaicas.

Acrescente-se a isso o fato de que o judaísmo estava em guerra contra Roma.  O império romano dominava o país de Jesus, a Palestina, perseguia os cristãos, os quais morriam testemunhando a fé em Jesus ressuscitado. Os judeus acreditavam que a solução para se livrar dos romanos seria uma rebelião armada. Muitos judeus convertidos ao cristianismo não sabiam se deviam ou não entrar nessa guerra. Os judeus também diziam que Cristo não podia ser o Messias, pois ele tinha sido crucificado. Por causa da Teologia da Retribuição, eles pensavam que um crucificado era sempre um maldito de Deus.

Entre os cristãos da comunidade de Marcos pairava a dúvida: será que Jesus é realmente o Messias e Filho de Deus? Uma nova geração de líderes estava assumindo a coordenação da comunidade, o que causava tensões, brigas e ciúmes no interior da comunidade (Mc 9,34.37; 10,41).

Diante desse contexto, Marcos decidiu escrever um evangelho para devolver a esperança aos cristãos. Ele trazia uma certeza: a de que de Jesus era o Messias e Filho de Deus. Assim começa o seu evangelho afirmando: “Princípio (fazendo ligação com o livro de Gênesis) do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1,1). Com Jesus, a humanidade renasce em Deus Criador. Mais tarde, João explicitou isso com mais clareza no seu evangelho de amor e fidelidade.

No texto que antecede o capítulo dezesseis, encontramos a eloquente afirmação do centurião romano, diante de Jesus crucificado e morto: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). A fala desse centurião anônimo é um convite para recomeçar, apesar do aparente fracasso da cruz.

O evangelho de Marcos termina em Mc 16,8, mas é seguido de dois acréscimos conclusivos posteriores: Mc 16,9-14 e 16,15-20. O segundo é, possivelmente, de um presbítero, de nome Aristião, que julgou, nada oportuno, deixar o evangelho de Marcos terminar com a aparição de Jesus ressuscitado às mulheres: Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé. Tudo parecia terminar com um túmulo vazio. Jesus, então, aparece aos onze e os convida a refazer o caminho de salvação que ele pregou, ainda que a cruz pudesse ser encontrada também no fim da jornada de cada um deles. Com isso, Aristião colocou o evangelho de Marcos em sintonia com os outros evangelhos, os quais narram as aparições de Jesus.  

 O convite de Jesus consiste em anunciar o evangelho e batizar a todos. Quem cresse no anúncio poderia expulsar demônios, falar novas línguas, beber veneno e não morrer, curar doentes. A primeira leva de discípulos era capaz de realizar tais proezas. A segunda geração deveria se basear nessa fé testemunhada, e seguir adiante para destruir o poder de Satanás e vencer a morte. Ela também teria os mesmos poderes deixados por Jesus.

Após essas instruções, Jesus foi levado ao céu, o que confirma sua plenitude em Deus. Na sequência, a missão é com os novos cristãos. Em nossos dias, evangelizar não é tarefa fácil. A seara é grande, faltam missionários. Há missionários e missionários! A Igreja católica está dividida, tanto na esfera hierárquica, quanto na laical. Faltam profetas “paulinos” e lideranças “petrinas” capazes de profetizar e de unir em torno de uma causa comum: o evangelho vivo! Queira Deus que surjam outros Marcos capazes de apontar o caminho de volta às origens! Estejamos atentos aos sinais!


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ 

Leia outras notícias