Juntos aos atingidos pela tragédia no litoral norte de São Paulo, rezemos: “Socorre-nos, ó Deus, nosso salvador, para a glória do teu nome” (Sl. 79)

Juntos aos atingidos pela tragédia no litoral norte de São Paulo, rezemos: “Socorre-nos, ó Deus, nosso salvador, para a glória do teu nome” (Sl. 79)
Os salmos nos recordam um Deus presente e próximo ao cotidiano humano, não é alguém estranho a vida do povo. Assim sendo, nesse horizonte de um Deus dialogante, somos chamados a atualizar esses louvores, ou seja, fazer dessas palavras, palavras que interpelam nossa vida.Frei Vitor Vinicios da Silva

Nesse horizonte de um Deus dialogante, somos chamados a atualizar esses louvores, ou seja, fazer dessas palavras, palavras que interpelam nossa vida. Atualizar é reler um texto do passado a fim de iluminar uma situação presente. Dessa maneira, somos convidados a ler nossa própria vida nos salmos e dar um sentido novo. À vista disso, ao contrário de pensar que os salmos são orações distante e fossilizadas, queremos rezar um dos salmos cantado pelo povo judeu diante das atrocidades do mundo.

Em tempo de calamidades humanas e catástrofes naturais, somos convidados a intensificar o espírito de solidariedade em nosso meio. A Igreja, povo de Deus, intensifica suas orações e, impulsionada por ela, age em encontro com o próximo. Olhando para esse primeiro patamar, retomamos as palavras inscritas no coração do povo de Deus, recolhemos, nas palavras de Santo Agostinho, o “Tesouro da boa doutrina”[1], o Livro dos Salmos. Essas orações alimentaram a piedade do povo (judaico e cristão), carregam uma síntese da vida do povo transformada em poesia e oração. Assim, o livro denominado ‘Louvor’ (Tehillím em Hebraico) é uma grande polifonia fincada no tempo e espaço.

Essas orações alimentaram a piedade do povo (judaico e cristão), carregam uma síntese da vida do povo transformada em poesia e oração.

Os salmos nos recordam um Deus presente e próximo ao cotidiano humano, não é alguém estranho a vida do povo. Assim sendo, podemos até dizer que isso seja uma das dificuldades de compreendermos e rezarmos os salmos nos dias de hoje. Nosso tempo é marcado por uma experiência de um Deus distante, silencioso e longínquo. Entretanto, compreender a teologia dos salmos nos faz perceber que a nossa relação com Deus (Eu-Tu) é uma relação amorosa que implica confiança.

O livro dos salmos, compreendido como livro dos louvores, é determinado como resposta do Homem a Deus, demarca uma relação dialogal. Aqui, não temos um homem silencioso, mas que se movimenta em direção a Deus, reza, súplica, chora, louva e interpelando a Deus espera respostas. É um movimento de deixar o egoísmo para ir ao encontro do Outro (Deus), um abandono da sua autossuficiência para encontrar repouso e segurança no estrangeiro.

“Somos convidados a ler nossa própria vida nos salmos e dar um sentido novo”

Nesse horizonte de um Deus dialogante, somos chamados a atualizar esses louvores, ou seja, fazer dessas palavras, palavras que interpelam nossa vida. Atualizar é reler um texto do passado a fim de iluminar uma situação presente. Dessa maneira, somos convidados a ler nossa própria vida nos salmos e dar um sentido novo. À vista disso, ao contrário de pensar que os salmos são orações distante e fossilizadas, queremos rezar um dos salmos cantado pelo povo judeu diante das atrocidades do mundo. 

Em 1 Mac 7,17 cita-se o Salmo 79 remetido a um massacre de 60 piedosos hassideus em que os judeus utilizam esse salmo, lido muitas vezes nas liturgias, para dizer sobre um acontecimento histórico. Em sintonia, podemos relê-lo nesse momento de perda e tristeza, rezarmos pelas vítimas (mortos, desaparecidos, desalojados e desabrigados) da tragédia ocorrida no litoral norte de São Paulo, sobretudo pela população da cidade de São Sebastião.

O salmo 79 é dado como uma grande lamentação (coletiva) diante de uma situação de devastação, Israel sofre a invasão dos inimigos. Clamam que Deus vingue todos os males cometidos, mas para não cairmos em interpretações equivocadas, é preciso compreender aquilo que é denominado como ‘salmos imprecatórios’, isto é, salmos que invocam a punição divina. Esse gênero tem como objetivo não a violência divina e nem de alimentar o ódio no inimigo, mas era utilizado diante da impotência humana, acreditava-se que apenas Deus poderia restabelecer a justiça social. Entrementes, o desejo era que Deus se manifestasse, a seu modo, para restabelecer a Aliança feita com o povo e o pano de fundo não era destruir o inimigo, mas causar um efeito de cartase, um sentido de conversão. Assim, compreendido essas sutilezas da oração, possamos atualizar as palavras do salmista nesse momento e pedir ao bondoso Deus para acalentar todos aqueles que sofrem nesse momento.

“Socorre-nos, ó Deus, nosso salvador, para a glória do teu nome; livra-nos e perdoa-nos pelo amor de teu nome. Por que hão de perguntar os pagãos: Onde está o seu Deus? Mostra a essa gente, diante dos nossos olhos, a vingança do sangue derramado dos teus servos. Chegue junto de ti o gemido dos cativos e, pela grande força do teu braço, salva da morte os que estão condenados.”[2]


[1] S. AGOSTINHO, Enarrationes in Psalmos; trad. espanhola: Enarraciones sobre los Salmos, BAC 255, Madrid.

[2] BÍBLIA. Tradução Difusora Bíblica. 6. Ed. Fátima: Franciscanos Capuchinhos, 2017.

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