4. A conversão Ecológica

4. A conversão Ecológica

Desde pequenos gestos às grandes iniciativas, é urgente nos conscientizar sobre o nosso estar sobre esta terra, numa verdadeira conversão ecológica.

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm

Neste curto itinerário, estamos percebendo que a compreensão que a Igreja hoje tem de conversão vai se ampliando para além do âmbito pessoal, do Sacramento da Penitência, mas se alarga para a dimensão comunitária e estrutural da Igreja, chegando a propor um novo modo de habitar nosso Planeta, nossa Casa Comum.

Se para falarmos da conversão pastoral nossas referências foram o Documento de Aparecida e a Evangelii Gaudium, para refletir sobre a conversão socioambiental nosso olhar se volta para a Laudato Si e todo o movimento gerado a partir daí.

Em uma Catequese de 17 de janeiro de 2001, João Paulo II já insistia na necessidade de uma conversão ecológica. Esta meditação teve como tema: “O compromisso para afastar a catástrofe ecológica”, e assim propunha o Papa Wojtyła: o ideal de harmonia presente na Criação de Deus foi rompido pelo modo com que o homem conduziu seu estar no mundo: “Infelizmente, disse João Paulo II, se o olhar percorre as regiões do nosso planeta, apercebemo-nos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina. Sobretudo no nosso tempo, o homem devastou sem hesitações planícies e vales cobertos de bosques, poluiu a água, deformou o habitat da terra, tornou o ar irrespirável, perturbou os sistemas hidro-geológicos e atmosféricos, desertificou espaços verdejantes, levou a cabo formas de industrialização selvagem, humilhando para usar uma imagem de Dante Alighieri (cf. Paraíso, XXII, 151) o “canteiro” que é a terra, nossa morada” (n.3).

E continua: “Por isso, é preciso estimular e apoiar a “conversão ecológica”, que nestes últimos decênios tornou a humanidade mais sensível aos confrontos da catástrofe para a qual estava a caminhar. O homem não é mais ‘ministro’ do Criador. Mas, como déspota autônomo, está a compreender que finalmente tem de parar diante do abismo (n. 4). 

Papa Francisco, por sua vez, vai na mesma direção e convoca a todos a uma revisão séria na maneira de como estamos habitando a Terra.

O tema da conversão ecológica aparece no capítulo VI da Laudato Si (2015), intitulado: “educação e espiritualidade ecológicas”. A partir do n. 216 ao 221, Francisco apresenta a necessidade desta conversão. O Papa se refaz ao seu predecessor no início de seu ministério petrino para dizer: “os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se tornaram tão amplos” (Laudato Si n. 217). Esta ideia é muito sugestiva: é como dizer que a desertificação que tem se estendido por diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, tivesse início dentro de nós. É como se nosso interior se tornasse árido e esta aridez saltasse para fora e contaminasse todo o ambiente!

Continuemos com alguns trechos da Laudato Si: “Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (n.2017).

Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a criação como dimensão da conversão integral da pessoa. Isto exige também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro (n.218).

Papa Francisco passa a enumerar três atitudes que devem ativar um cuidado generoso e cheio de ternura. Vejamos de forma didática como as apresenta o Papa:

  1. Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade, ou seja, um reconhecimento do mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca disposições gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que ninguém os veja nem agradeça.
  2. Implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal. O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres.
  3. Além disso a conversão ecológica leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável (Rm12, 1). (n.220).

E conclui a sessão: “Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis” (n. 221).

A conversão ecológica comporta uma dupla abordagem: macro e micro. Em nível macro, temos de considerar as grandes decisões de governo, as grandes corporações, iniciativas que tenham impacto planetário; mas se isso não tiver implicações no nosso dia-a-dia, lá em casa, nada disso fará efeito. Assim, tenho de rever minha forma de consumo, o uso da energia, o lixo que produzo, as relações com as outras pessoas, enfim.

Laudato Si convida finalmente a rever nosso estilo de vida, de modo a sermos menos afeitos ao consumo inveterado, ao desperdício, à degradação e à exclusão social. Desde pequenos gestos às grandes iniciativas, é urgente nos conscientizar sobre o nosso estar sobre esta terra, numa verdadeira conversão ecológica.

Laudato Si inaugurou um grande movimento não só de textos, mas também de ações centradas no cuidado da Casa Comum. Filhas diretas da Encíclica, Querida Amazônia e Laudate Deum fazem eco a esta urgência planetária. Esta pauta deve mobilizar toda a humanidade e, no caso da comunidade cristã, terá a ver com conversão ao projeto harmonioso de Deus, personificado no ser e no agir de Jesus.

Referências

FRANCISCO, Laudato Si, 2015.

JOÃO PAULO II, Catequese sobre “O compromisso para afastar a catástrofe ecológica” (17.01.2001).

Foto de Geni Hoka: https://www.pexels.com/pt-br/foto/

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