Independência e construção de uma identidade nacional

Independência e construção de uma identidade nacional

A identidade nacional do Brasil hoje é profundamente enraizada nas múltiplas influências dos povos indígenas, africanos, europeus e outros, o que levou a uma teia cultural que se reflete na música, na culinária, na dança, na religião e em outras expressões.

Autores [1]

Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira

Prof. Frei Laércio Jorge ofm

Com o passar das décadas a identidade nacional foi sendo reforçada, através da promoção ativa da língua portuguesa e da diversidade étnica e cultural do país. Representadas tanto pela herança portuguesa quanto pelas influências indígenas e africanas. Por essa ótica, a independência foi um primeiro passo unificador, ainda que seja presunçoso e até inadequado falar de uma identidade nacional como consequência imediata.

A identidade nacional do Brasil hoje é profundamente enraizada nas múltiplas influências dos povos indígenas, africanos, europeus e outros, o que levou a uma teia cultural que se reflete na música, na culinária, na dança, na religião e em outras expressões. Contudo, as desigualdades sociais persistem motivadas pela falta de acesso a serviços básicos, refletindo as raízes históricas da nação.

Pensar a identidade nacional a partir de um mosaico de influências culturais e étnicas incentiva o diálogo intercultural e a troca de experiências entre grupos, sendo fundamental para promover a inclusão, a construção de uma sociedade mais justa e o desenvolvimento da nação.  Mas, é preciso pensar como se chegou no momento atual.

Do ponto de vista histórico, com a independência e o não esfacelamento do território, começa a surgir o sentimento de nacionalidade, embrionário. Ainda não havia uma identidade nacional estabelecida, pelo contrário, segundo Carvalho (2002). A Constituição planejada para 1823 poderia ter sido um norte, todavia, a dissolução da assembleia constituinte pelo jovem imperador e a outorga (imposição) de uma constituição em 1824, não contribuiu nesse sentido.

Ao proclamar sua independência de Portugal em 1822, o Brasil herdou uma tradição cívica pouco encorajadora. Em três séculos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa. Mas tinham também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira (CARVALHO, 2002, p. 18).

As múltiplas revoltas, especialmente, no período regencial (1831-1840), são exemplos, Cabanagem, Sabinada, Farroupilha, não demonstravam sentimento nacional, eram de caráter local ou então separatista. No ultimo caso, ocorrido no Rio Grande do Sul, o desejo era a separação para que se criasse uma república.

Somente no Segundo Reinado (1840-1889) a construção da identidade nacional vai realmente avançar. Schwarcz e Starling (2015) chamam atenção para a alguns elementos, começando pela criação do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (1838). A partir dele a história do Brasil, pela primeira vez, será sistematiza, buscando por aflorar o sentimento de nacionalismo. A criação da Academia Imperial de Belas Artes também faz parte deste esforço, com suas pinturas reproduzindo a História do Brasil de forma heroica e exuberante. Nessa esteira de afirmar uma identidade, a imagem do imperador D. Pedro II vai ser amplamente trabalhada, o colocando com o grande líder da nação, um homem culto e ponderado, que simbolizaria a vontade nacional. O que é preciso lembrar é que identidade nacional é uma representação, que pode ser entendida, como:

(…) matizes geradores de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva (…) Tal pressuposto implica eliminar do campo de análise a tradicional clivagem entre o real e o não-real, uma vez que a representação tem a capacidade de substituir a realidade que representa, construindo um mundo paralelo de sinais no qual as pessoas vivem (PESAVENTO, 2003, 39-41).

Foram vários os fatores que contribuíram para a significação do que é ser brasileiro, sendo eles diretos, indiretos, intencionais e não intencionais. Sem dúvidas a manutenção da unidade territorial, a construção de uma história/memoria comum (muito parcial e pensada de cima para baixo), a elaboração do hino nacional e da bandeira, a imagem propagada do imperador, a construção de heróis e até mesmo os conflitos, contribuíram para firmar uma identidade. Sendo um elemento, em especial, muito importante, os conflitos externos, com ênfase para a Guerra do Paraguai (1864-1870), trabalhada de forma profunda por Doratioto (2002), serviram para aflorar o sentimento de patriotismo e civismo, além de ter provocado o surgimento de símbolos que marcariam o imaginário brasileiro.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 13° ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.

COSTA,  Emília  Viotti  da.  Introdução  ao  estudo  da  emancipação  política.  In: MOTA,  C.  G.  Mota  (org.)  –  Brasil  em  perspectiva.  19ª.ed.  São  Paulo,Difel, 1990.

DANTAS, Mariana Albuquerque. Dimensões da participação política indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas, 1817-1848. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.

DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853).

DOLHNIKOFF, M. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2021. 176 p.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 617 p.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2009.

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REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: a história não contada. São Paulo: LeYa, 2020. 432 p.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 209.

SOUZA, Jessé de. “Duas coisas salvariam o Brasil: interpretação de texto e consciência de classe”. https://patrialatina.com.br/jesse-de-souza-duas-coisas-salvariam-o-brasil-interpretacao-de-texto-e-consciencia-de-classe/ – acesso em 02 de agosto de 2023.

Texto extraído do livro História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental de Américo Freire, Marly Silva da Motta e Dora Rocha (São Paulo: Editora do Brasil; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2004 – Coleção Aprender).

VIDIGAL, Carlos Eduardo et al. História das relações internacionais do Brasil. Saraiva Educação SA, 2017.

[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]

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