Para que se compreenda o processo de independência é preciso pensar no peso do passado, isto é, refletir sobre a colonização de três séculos.
Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira
Prof. Frei Laércio Jorge ofm
Para que se compreenda o processo de independência é preciso pensar no peso do passado, isto é, refletir sobre a colonização de três séculos. Quando se fala neste recorte temporal da história do Brasil, o período colonial, não se pode esquecer do seu efeito de longa permanência no que mais tarde significou ser brasileiro.
A colonização representou, essencialmente, um empreendimento dos governos coloniais, ainda que tenha outros elementos secundários. Nas três primeiras décadas que os portugueses estiveram na terra que Pero Vaz de Caminha, em 22 de abril de 1500, chamou de Vera Cruz, se convencionou pela historiografia, abordar como um período pré-colonial. Período marcado pela extração do pau brasil e pela não ocupação do território pelos portugueses.
Para evitar que a colônia na América fosse ocupada por outra nação, sendo os franceses a principal ameaça na década de 1520, um modelo de colonização, com ocupação do território, foi implementado pelos portugueses. Boris (2009) mostra que consistia na distribuição de terras, 15 faixas no litoral, a particulares, os capitães donatários, que a partir de então seriam responsáveis pela produtividade e desenvolvimento de sua capitania, o que incluía recolher impostos e cuidar da justiça. Um pouco mais tarde, em meados do século XVI, um Governo Geral é implementado, com a finalidade de acentuar a colonização, proteger o território e conter rebeliões. Tomé de Souza, primeiro governador geral, foi o responsável pela criação de uma estrutura administrativa robusta, com perfil absolutista. Um pouco mais tarde, as Câmaras Municipais surgiriam, administrações locais, compostas pelos chamados “homens bons”, sendo fundamentais para a estrutura administrativa portuguesa.
Ainda que o objetivo deste texto não seja entrar nos pormenores da administração colonial, é preciso que se perceba que ao longo dos séculos a coroa portuguesa avançou com os mecanismos de controle do território. As capitanias hereditárias e o governo geral são exemplos neste complexo sistema, que buscava fundamentação no Conselho das Índias e no Conselho Ultramarino, ambos de 1642. A nível de complemento, na primeira metade do século XVIII, o governador geral, responsável pelo judiciário e executivo da colônia, passaria a ser reconhecido como vice-rei, e as capitanias perderiam o caráter hereditário, dando lugar para as capitanias reais.
Outro momento histórico que precisa ser considerado para se pensar a estrutura de poder no cenário proposto é o período joanino (1808-1821). Muitas transformações foram provocadas com a instalação da corte portuguesa, com todo seu aparato, no Rio de Janeiro.
A estada de D. João no Rio de Janeiro viria a deflagrar, assim, duas ordens de transformações. Essa primeira, do reordenamento político-jurídico do país, e outra intrinsecamente ligada a ela: a dos resultados do encontro de duas configurações sociais distintas, a sociedade de corte portuguesa migrada com a família real e a sociedade fluminense que a recebeu, que tinha no ápice de sua hierarquia social os comerciantes de “grosso trato”, envolvidos no comercio intercontinental de gêneros tropicais e no trafico negreiro (MALERBA, 2000, p. 63).
Pois bem, ao proclamar a independência em 7 de setembro de 1822, ou seja, a autonomia política do Brasil em relação à Portugal, esta por sua vez não provocou mudanças significativas na estrutura de poder. Ainda se conservou, de acordo com Schwarcz e Starling (2015) uma administração enraizada no absolutismo e uma mentalidade que havia sido construída ao longo de séculos, conforme indicado acima. Assim sendo, o que há é uma continuidade na concentração de poder nas mãos dessa elite, composta por proprietários de terras e escravos, nobres, burocratas e comerciantes influentes, que desfrutavam de vantagens políticas, econômicas e sociais, mantendo seu domínio sobre a sociedade e a economia.
Com tantas mitologias reunidas o império surgiria como símbolo da união territorial desse país de proporções continentais, e a realeza como a melhor saída (possível) para evitar a fragmentação política e territorial. Na visão das elites locais, apenas a figura de um rei uniria esse país gigantesco, marcado por profundas diferenças internas. Mas o novo monarca continuava a ser português de origem, e os símbolos da pátria, igualmente (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 287).
O recém-nascido país, tinha como base econômica o sistema agrário, altamente dependente de trabalho escravo, especialmente de africanos. Este sistema contribuiu para o enriquecimento das elites, aumentando ainda mais o distanciamento entre as classes, dificultando assim o acesso à educação, política e bem-estar. Em geral, as grandes decisões eram tomadas pelos que compunham a elite, que falava em nome da população. Todavia, não se pode ignorar as manifestações de resistência na sociedade brasileira. Os escravizados, são um exemplo, que resistiam por meio de rebeliões, fugindo, executando tarefas de forma inadequada, com a formação de quilombos, entre tantas outras formas que impactaram na formatação da sociedade.
REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 13° ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política. In: MOTA, C. G. Mota (org.) – Brasil em perspectiva. 19ª.ed. São Paulo,Difel, 1990.
DANTAS, Mariana Albuquerque. Dimensões da participação política indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas, 1817-1848. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.
DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853).
DOLHNIKOFF, M. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2021. 176 p.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 617 p.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2009.
FEBVRE, L. Combates pela História. 2.ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977.
LOPES, D. B. O DIREITO DOS ÍNDIOS NO BRASIL: A TRAJETÓRIA DOS GRUPOS INDÍGENAS NAS CONSTITUIÇÕES DO PAÍS. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 83, 2014. DOI: 10.22456/1982-6524.41524. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/41524. Acesso em: 28 ago. 2023.
LYRA, M. de L. V. História e historiografia: a Independência em questão. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.153, n.377, p.124-27, out./dez. 1992.
MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: Civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821), Cia das Letras, São Paulo, 2000.
MAZZEO, Antonio Carlos; PERICÁS, Luiz Bernardo. Independência do Brasil: a história que não terminou. Boitempo Editorial, 2022.
MOTA, Carlos Guilherme. 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Autêntica, 2003.
PIMENTA, João Paulo. A independência do Brasil e a experiência hispano– americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2015.
REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: a história não contada. São Paulo: LeYa, 2020. 432 p.
SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 209.
SOUZA, Jessé de. “Duas coisas salvariam o Brasil: interpretação de texto e consciência de classe”. https://patrialatina.com.br/jesse-de-souza-duas-coisas-salvariam-o-brasil-interpretacao-de-texto-e-consciencia-de-classe/ – acesso em 02 de agosto de 2023.
Texto extraído do livro História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental de Américo Freire, Marly Silva da Motta e Dora Rocha (São Paulo: Editora do Brasil; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2004 – Coleção Aprender).
VIDIGAL, Carlos Eduardo et al. História das relações internacionais do Brasil. Saraiva Educação SA, 2017.
[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]