O desafio da independência

O desafio da independência

O processo de independência do Brasil foi marcado por uma série de desafios e questões.

Autores[1]:

Prof. Miguel Vitor de Araujo Vieira

Prof. Frei Laércio Jorge ofm

O processo de independência do Brasil foi marcado por uma série de desafios e questões, elencados abaixo, a saber:

Com a independência, diante de um temor que esta provocaria uma mudança drástica nas estruturas de poder, D. Pedro I procurou manter a estabilidade política e a ordem social. De um lado buscava efetivar a separação entre Brasil e Portugal, por outro, lidar com as demandas de diferentes setores, principalmente, os pertencentes a elite colonial. Assim sendo, para o entendimento, é preciso aprofundar nas contradições que permeiam este processo, analisando para além do evento independência, mas como um:

Fenômeno que se insere dentro de um processo amplo, relacionado, de um lado, com a crise do sistema colonial tradicional e com a crise das formas absolutistas de governo e, de outro lado, com as lutas liberais e nacionalistas que se sucedem na Europa e na América desde os fins do século XVIII (COSTA, 1990, p.66-67).

Sendo o Brasil um vasto território, com infraestrutura de comunicação limitada para a época, tornou o processo de tomadas de decisões entre diferentes regiões e sua coordenação um grande desafio, para Dias (1972). Esta vastidão, com interesses e características distintas, provocou níveis diferentes de aceitação da independência. Em alguns casos, provinciais, declararam apoio ao governo lusitano, por meio de seus governos e tropas, ou então, tentaram a separação, aproveitando o contexto de instabilidade. As tentativas de se opor a independência, em sua maioria, foram rapidamente asfixiadas. Em algumas províncias foi mais difícil, como na Bahia, que o conflito se estendeu até meados de 1823. Rezzutti (2020) chama atenção para a postura adotada pelo imperador, de combater esse tipo de contestação de forma energética. Pela falta de uma força militar organizada, através de empréstimo com a Inglaterra, contratou mercenários para impedir a retaliação portuguesa e o risco de esfacelamento. 

Uma das preocupações, advindos da elite agrária, era se a independência afetaria as relações comerciais com Portugal e outros países.  Outro ponto crítico, era preocupação dessa elite em relação ao tráfico de escravos, pois nesse período já começava a ser restringido. O temor era que a independência pudesse ameaçar o sistema escravista de alguma forma, pois era considerado vital para a economia em muitas regiões, segundo Carvalho (2020).

O jogo de forças com a pressão interna em busca de autonomia e representação política, e a pressão externa, que tinham pressa em estabelecer relações diplomáticas com o Brasil, criou um ambiente complexo para tomadas de decisões. Como já se percebe a independência não foi algo unilateral. Esta envolveu discussões sobre os termos em que a separação se daria, as futuras formas de governo, bem como suas relações entre países.

Por fim, não menos importante, o desafio da manutenção e estabilização do novo governo, o que envolvia a criação de uma nova Constituição que garantisse a estabilidade política e econômica, o que não se confirmou. Em 1823, uma assembleia, eleita indiretamente, deveria elaborar a primeira carta magna do Brasil. Os seguimentos que se encontravam participando da assembleia, indicado por Dolhnikoff (2021) podem ser identificados como: liberais, aqueles que pediam por uma monarquia constitucional e defendiam mais direitos civis; liberais exaltados, muito republicanos e pediam por mudanças concretas no campo social e da política; portugueses, buscavam pela efetivação de uma monarquia absolutista.

Pois bem, enquanto os portugueses compuseram o partido português, os seguimentos liberais foram chamados de partido brasileiro. As limitações que a constituição em desenvolvimento previa ao exercício do poder pelo imperador e a participação de portugueses na política, foram elementos importantes para seu insucesso. Em novembro de 1823, acompanhado de tropas do exército, D. Pedro I dissolveu a Assembleia. Uma Constituição ainda seria feita, mas agora formulada por pessoas próximas ao imperador, muitos portugueses, e o oferecendo atuação irrestrita, isto é, o poder moderador. Não foi promulgada por uma assembleia própria para tal, foi outorgada, o que significa dizer que a primeira constituição do país foi imposta.

De uso privativo do imperador, o Poder Moderador estava acima dos demais poderes e a eles se sobrepunha, cabendo a seu detentor força coativa e a atribuição de nomear e demitir livremente ministros de Estado, membros vitalícios do Conselho de Estado, presidentes de província, autoridades eclesiásticas, o Senado vitalício, magistrados do Poder Judiciário, bem como nomear e destituir ministros do Poder Executivo. O imperador era ainda inimputável e não respondia judicialmente por seus atos. Assim, se pelo projeto de 1823 o chefe do Executivo guardava apenas poder de veto, agora ele se transformava numa espécie de fiel da balança. O Poder Moderador tinha a função, segundo o texto, de garantir harmonia e equilíbrio ao Estado. Era na definição da época “um poder neutro” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 300).

Ao considerar esses pontos, fica evidente que as relações entre as nações são centrais para a discussão. Caracterizadas por uma série de desafios e questões críticas, refletiam o cenário histórico da época. Entender a interação complexa entre esses dois países, objetivas e subjetivas, ajuda a contextualizar as desigualdades, os desafios e as conquistas do Brasil ao longo da história. Desse modo é possível desenvolver uma perspectiva mais completa sobre as forças que moldaram a nação até os dias de hoje.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 13° ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.

COSTA,  Emília  Viotti  da.  Introdução  ao  estudo  da  emancipação  política.  In: MOTA,  C.  G.  Mota  (org.)  –  Brasil  em  perspectiva.  19ª.ed.  São  Paulo,Difel, 1990.

DANTAS, Mariana Albuquerque. Dimensões da participação política indígena: Estado nacional e revoltas em Pernambuco e Alagoas, 1817-1848. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2018.

DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853).

DOLHNIKOFF, M. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2021. 176 p.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 617 p.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2009.

FEBVRE, L. Combates pela História. 2.ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977.

LOPES, D. B. O DIREITO DOS ÍNDIOS NO BRASIL: A TRAJETÓRIA DOS GRUPOS INDÍGENAS NAS CONSTITUIÇÕES DO PAÍS. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 83, 2014. DOI: 10.22456/1982-6524.41524. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/41524. Acesso em: 28 ago. 2023.

LYRA, M. de L. V. História e historiografia: a Independência em questão. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.153, n.377, p.124-27, out./dez. 1992.

MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: Civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-1821), Cia das Letras, São Paulo, 2000.

MAZZEO, Antonio Carlos; PERICÁS, Luiz Bernardo. Independência do Brasil: a história que não terminou. Boitempo Editorial, 2022.

MOTA, Carlos Guilherme. 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva,  1972.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Autêntica, 2003.

PIMENTA, João Paulo. A independência do Brasil e a experiência hispano– americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2015. 

REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: a história não contada. São Paulo: LeYa, 2020. 432 p.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 209.

SOUZA, Jessé de. “Duas coisas salvariam o Brasil: interpretação de texto e consciência de classe”. https://patrialatina.com.br/jesse-de-souza-duas-coisas-salvariam-o-brasil-interpretacao-de-texto-e-consciencia-de-classe/ – acesso em 02 de agosto de 2023.

Texto extraído do livro História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental de Américo Freire, Marly Silva da Motta e Dora Rocha (São Paulo: Editora do Brasil; Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2004 – Coleção Aprender).

VIDIGAL, Carlos Eduardo et al. História das relações internacionais do Brasil. Saraiva Educação SA, 2017.


[1] Os autores são professores e atualmente Mestrandos em Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [2022 – 2024]

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