Não existe amor abstrato, não existe. O amor platônico está em órbita, não está na realidade. O amor concreto, aquele que suja as mãos… E cada um de nós pode se perguntar: o amor que eu sinto por todos aqui, o que sinto pelos outros, é concreto ou abstrato?
A exemplo do testemunho de três centros assistenciais de Lisboa, na Paróquia São Vicente de Paulo em Lisboa, Francisco falou da importância de gestos “concretos” de amor, “aqueles que sujam as mãos”. E sugeriu que nos questionemos: “o amor que eu sinto pelos outros é concreto ou abstrato? Eu, quando estendo a mão a uma pessoa necessitada, a um doente, a uma pessoa marginalizada, depois de estender a mão”, limpo para não me contagiar? “Tenho asco da pobreza dos outros?”
Num dos bairros mais pobres da periferia de Lisboa, o Serafina, fica a Paróquia de São Vicente de Paulo que recebeu o Papa Francisco nesta sexta-feira (4), terceiro dia da viagem apostólica em terras portuguesas. No Centro Social Paroquial, acostumado a acolher cerca de 800 pessoas para oferecer serviços sociais dos mais diversos, desde o berçário até o apoio às famílias, o Pontífice proferiu um discurso após conhecer a realidade vivida inclusive por outras duas obras assistenciais: as associações de Pais e Amigos de Crianças com Câncer ‘Acreditar’ e a de Solidariedade Social ‘Ajuda de Berço’.
O Papa começou agradecendo pelo testemunho das três entidades que procuram promover a caridade, “origem e meta do caminho cristão”, através da “realidade concreta de «amor em ação»”. Assim, destacou três aspectos comuns à realidade vivida por quem ajuda o próximo: “fazer juntos o bem, agir no concreto e estar próximo dos mais frágeis“.
Fazer juntos o bem
Primeiro, Francisco abordou o “fazer juntos o bem”, tendo o «juntos» como palavra-chave, já que o Pontífice ouviu repetidas vezes durante os testemunhos, inclusive de João, da Associação Acreditar, quando falou da sua experiência com crianças com câncer e suas famílias: “é preciso não se deixar «definir» pela doença”.
“É verdade! Não devemos deixar-nos «definir» pela doença ou pelos problemas, porque nós não somos uma doença, não somos um problema. Cada um de nós é um presente, é um dom, um dom único com os seus limites, mas um dom precioso e sagrado para Deus, para a comunidade cristã e para a comunidade humana. E, assim como somos, enriquecemos o conjunto e deixamo-nos enriquecer pelo conjunto!”
Agir concretamente junto aos mais frágeis
Em seguida, para comentar sobre o “agir no concreto”, o Papa buscou as palavras do testemunho do Pe. Francisco, do Centro Social Paroquial, que, inspirado em São João XXIII, citou o fontanário para descrever a cultura do cuidado dirigida a quem procura a entidade. E acrescentou que, “quando não se perde tempo a lamentar-se da realidade, mas se tem a preocupação de ir ao encontro das carências concretas, com alegria e confiança na Providência, acontecem coisas maravilhosas”.
Por fim, o terceiro aspecto que o Papa destacou em discurso entregue aos presentes é o de estar “próximo dos mais frágeis”, especialmente de quem mais precisa: “os excluídos, os marginalizados, os descartados, os humildes, os indefesos. São eles o tesouro da Igreja, são os preferidos de Deus!”.
A importância do amor concreto
Mas, ao improvisar, já que “meus refletores não estão funcionando e não consigo ler direito”, disse o Papa aos presentes se referindo à vista que não queria forçar, se deteve em algo que não estava escrito, mas que estava no espírito do encontro: o amor concreto.
“Não existe amor abstrato, não existe. O amor platônico está em órbita, não está na realidade. O amor concreto, aquele que suja as mãos… E cada um de nós pode se perguntar: o amor que eu sinto por todos aqui, o que sinto pelos outros, é concreto ou abstrato? Eu, quando estendo a mão a uma pessoa necessitada, a um doente, a uma pessoa marginalizada, depois de estender a mão, faço isso em seguida (limpando), para que não me ‘contagie’? Tenho asco de pobreza, da pobreza dos outros? Procuro sempre a vida destilada, aquela que existe na minha fantasia, mas que não existe na realidade? Quantas vidas destiladas inúteis, que passam pela vida sem deixar marca, porque sua vida não tem peso!”
Uma marca que, o Papa enalteceu em discurso improvisado, foi representada pelas três entidades assistenciais apresentadas no encontro e que serve de “inspiração aos outros. Não poderia existir uma Jornada Mundial da Juventude sem levar em conta essa realidade, porque isso também é juventude no sentido de que vocês geram continuamente vida nova”. E o fazem, concluiu Francisco, sujando as mãos “ao tocar a realidade e a miséria dos outros”, gerando inspiração e vida: “obrigado por isso. Eu lhes agradeço do fundo do meu coração”.
“Sigam adiante e não desanimem! E se desanimarem, tomem um copo de água e sigam adiante!”
O exemplo do português João de Deus
No discurso entregue, Francisco ainda trouxe a história de João de Deus (1495-1550), um português que, ao encontrar Jesus, decidiu pedir esmola pelas ruas, dizendo às pessoas: «Fazei bem, irmãos, a vós mesmos!». “Compreendem isso?”, questionou o Papa, ele “pedia a esmola, mas dizia a quem lhe dava que, ajudando ele, na realidade estava ajudando a si próprio!”. Assim o Pontífice explicou a importância dos gestos de amor por quem os faz, antes mesmo por quem os recebe, “porque dilata o coração e permite abraçar o sentido da vida”
João de Deus chegou a fundar a Ordem Religiosa dos Irmãos Hospitaleiros para se doar ao serviço dos pobres e doentes. “Ajudar os outros é um dom para si próprio e faz bem a todos”, acrescentou Francisco, pedindo que todos se recordem que “o amor é um presente para todos!”.
“Se queremos ser verdadeiramente felizes, aprendamos a transformar tudo em amor, oferecendo aos outros o nosso trabalho e o nosso tempo, dizendo palavras edificantes e realizando boas ações, mesmo com um sorriso, com um abraço, com a escuta, com o olhar. Queridos adolescentes, irmãos e irmãs, vivamos assim! Todos podemos fazê-lo e disto mesmo todos precisamos, aqui e em qualquer lugar do mundo.”
Texto: Andressa Collet – Vatican News
Fonte: https://www.vaticannews.va/