Quinta-feira Santa – O Lava-pés como Revolução das Relações (À luz da Campanha da Fraternidade 2025)

Quinta-feira Santa – O Lava-pés como Revolução das Relações (<em>À luz da Campanha da Fraternidade 2025</em>)

“Compreendeis o que vos fiz?” (Jo 13,12). Jesus indaga a nós seus discípulos e missionários o nível de compreensão que temos de seu “método pastoral”.

Frei Laércio Jorge de Oliveira, OFM

Não há comunhão sem deslocamento.

Não há amor sem abaixamento.

Não há páscoa sem lava-pés.

(Pe. Júlio Lancellotti)

Jesus, na véspera de sua morte, escolhe um ato subversivo, um gesto que desmonta pirâmides sociais (Jo 13,5): lavar os pés – tarefa reservada aos escravos – para revelar que: o poder não se legitima pela dominação, mas pelo serviço (Mc 10,42-45); a verdadeira autoridade se exerce de joelhos, como fazem hoje as mães de vítimas da violência que limpam túmulos e exigem justiça e os agentes da Pastoral Carcerária que lavam os pés de presos esquecidos.

Diante deste gesto salta-nos os olhos um dado chocante: enquanto 33,1 milhões passam fome, o Congresso aprova R$ 18 bilhões em emendas parlamentares.

  • Onde estão os que “se abaixam” para servir?

Ao trocar a mesa a partir do chão, Jesus desnaturaliza hierarquias e contesta a teologia do templo que colaborava com Roma, expondo assim a hipocrisia religiosa onde os mesmos que lavavam as mãos (como Pilatos) negavam-se a lavar pés. Com seu gesto, mais uma vez Jesus mostra quem é Deus: aquele que opta pelos “de baixo”!

  • Quantas igrejas abençoam políticos que cortam verba da merenda escolar, mas não tocam nos pés sujos das crianças famintas?
  • Onde estão os cristãos quando indígenas (Yanomami) morrem por desnutrição e garimpo?
  • Nossas políticas públicas refletem o “lugar do servo” ou perpetuam privilégios?

Outro destaque é a reação de Pedro (“Nunca lavarás meus pés!”) que revela a nossa resistência à democracia radical. O centro desta resistência se dá diante do incômodo que a igualdade provoca: preferimos uma caridade vertical (doar cestas) a relações horizontais. Esta atitude é fruto de uma espiritualidade de controle: como quando líderes religiosos condenam o MTST, mas não questionam a especulação imobiliária. Daí percebemos um contraste evangélico: Jesus não fundou uma ONG, mas uma comunidade de pés descalços onde: teto é direito (Lc 9,58), não mercadoria; terra é mãe (Sl 24,1), não commodity.

“Compreendeis o que vos fiz?” (Jo 13,12).  Jesus indaga a nós seus discípulos e missionários o nível de compreensão que temos de seu “método pastoral”. Hoje, isso significa por exemplo lavar “os pés” da Terra ferida (cf. Laudato Si’), como fazem os catadores de recicláveis; abaixar-se para ouvir as periferias antes de elaborar projetos (BOFF, 1995) e por fim, tocar a sujeira do trabalho precarizado (uberização). Recordemos aqui, ainda como exemplo bem claro, a “Ocupação 9 de Julho”, onde famílias cozinham coletivamente, atualizando a Ceia dos excluídos.

Por fim, a quinta-feira santa nos interroga: eucaristia ou ritual de autoajuda? Celebramos um Cristo puramente espiritualizado no pão consagrado [aliás, somos batizados, consagrados”] ou O seguimos nos pés e com os pés sujos nas ruas? Nossas paróquias são redes de serviço ou clubes de autocelebração?

  • Qual “odor” toleramos? O do incenso ou o das favelas sem saneamento (35 milhões de brasileiros)?
  • Que “pés” lavamos? Os dos poderosos ou os dos ribeirinhos atingidos por petróleo (BA/ES) ou pela lama da Vale?

Bibliografia:

CNBB. Documento CF 2025: “Fraternidade e ecologia integral”.

GUTIÉRREZ, G. Beber no Próprio Poço. Loyola, 1983.

Dados do IBGE e IPEA sobre desigualdade (2024).

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