Santa Clara de Assis – “Urge redescobrir a lenda de Francisco e Clara”

Santa Clara de Assis – “Urge redescobrir a lenda de Francisco e Clara”

Clara levou uma vida de pobreza heroica, oração constante, numa vida de profunda espiritualidade-existencial.

Frei Luciano Brod, OFM

11 de agosto, dia dedicado à Virgem Santa Clara de Assis. Quem seria esta mulher? Uma heroína, profetiza do século XIII que, com Francisco de Assis, teve a “ousadia” de revolucionar a vida social, cristão e congregacional, sobretudo no campo “feminino”, de uma época de profunda decadência. No sec. XIII, semelhante a hoje, havia muita confusão e conflitos: na vida social havia o movimento dominador de autoridades, o “poder político”, que se chamava feudalismo, e o outro poder, o religioso, de origem divina, que era a Igreja Católica, com seu chefe, o Papa.

Clara, como Francisco, andava envolvida nestes conflitos. Levou uma vida de pobreza heroica, oração constante, numa vida de profunda espiritualidade-existencial. A mudança radical destes dois, renunciando a riqueza e nobreza, fez desabrochar uma mudança na Vida Religiosa, até então num modelo demasiadamente monástico. Renunciaram sua “vida luxuosa”, optando por descer a escala social em direção à periferia, junto aos pobres, marginalizados. Santa Clara é certamente uma das santas mulheres mais amadas na história da Igreja. Seu testemunho, sua coragem, ousadia, renunciando tanto a nobreza como a riqueza, mostram-nos o quanto a Igreja deve a mulheres corajosas e ricas na fé como ela, capazes de “clarear” caminhos, que trazem impulsos decisivos para uma renovação, crescimento sempre maior, consciente, em toda a história do cristianismo presente e futuro.  Um pouco de sua história:

Nascimento: Clara de Assis nasceu aos 16 de julho de 1194, em Assis, Itália. A família teve três filhas (Clara, Inês e Beatriz) e dois filhos. Nasceu num mundo de contradições : na sociedade, a luta da “nobreza” contra a “pobreza”;  no campo religioso, a preocupação dos “cristãos”, combater e se defender dos “não-cristãos”, sobretudo dos sarracenos. E no campo “feminino”, a situação de submissão da mulher, seja no campo social, político e mesmo religioso, Clara inicia uma batalha que acende um luminoso “farol” em favor das mulheres desvalorizadas, marginalizadas, exploradas.

Pai: Favarone Offreducio de Bernnardino, da estirpe de “cavaleiros nobres” de Assis.

O pai pertencia a uma estirpe de “cavaleiros nobres” da sociedade de Assis.  Vivia num palácio da cidade e possuía consideráveis propriedades. Era “conde-cavaleiro”, e como tal, participava nas cruzadas contra os infiéis. Sua nobreza e riqueza, se tornaram a grande luta de Clara, distribuindo, inclusive, todos os bens e dotes que lhe eram por direito, aos pobres, antes de entrar no mosteiro das beneditinas.

Do pai, de um temperamento de “estilo militar”, sendo cavaleiro das Cruzadas, Clara herdou a maneira de “ser firme nas decisões”, sempre convicta das suas decisões; sabendo o que queria, não voltava atrás em suas decisões. Mesmo considerando-se “Plantinha” de Francisco, o qual seguia fielmente, possuía uma convicção e coragem nas suas decisões que não recuava diante de nada; mesmo a ponto que Francisco, os cardiais e os próprios Papas acabavam cedendo a seu parecer.

Mãe:  Ortolana de Fiumi. Era mulher muito piedosa, característica que bem cedo passa à sua filha Clara. A mãe Ortolana mais tarde, após a morte do pai  Favarone , vai juntar-se a Clara, no mosteiro de São Damião, onde também já estavam Inês e Beatriz, suas outras filhas.

II. Início da decisão – Vocação de Clara: naturalmente, orientada espiritualmente pela própria mãe, Clara começa a tomar suas decisões.

A fuga da família: no dia 19 de março de 1212, num domingo de Ramos, acompanhada de uma parenta e amiga, Bona Guelfucci, Clara foge de casa, seguindo o caminho de Porciúncula. Rica e bem vestida, participa da missa de manhã. Depois,  volta para casa. À noite do mesmo dia, quando todos de casa dormiam, a nobre jovem Clara de Favarone fugiu de casa, abandonou os muros da cidade de Assis e percorreu 5Km até chegar à Porciúncula. Lá os Frades a esperavam . Vieram a seu encontro com tochas  que iluminavam o caminho.

Corte de cabelos: Chegados à Porciúncula, bem depressa Clara se ajoelhou diante da imagem de Nossa Senhora, na Igreja de Santa Maria dos Anjos, fazendo uma oração de renúncia ao mundo. Em seguida, entregou aos Frades  a veste luxuosa e vestiu a túnica de lã, semelhante a dos Frades. E Francisco, imediatamente corte seus longos  “cabelos de ouro”, e ela cobriu a cabeça com um véu negro, calçou as sandálias de madeira e pronunciou os três votos de Monja.

No mesmo instante, promete obedecer a Francisco como Superior hierárquico. O “corte dos cabelos” fora o auge de sua “conversão”, a entrega total a Cristo Pobre, ao qual e acima de tudo queria obedecer primeiro.

A fúria dos familiares: dando falta de Clara, os familiares, enfurecidos, foram procura-la. Ao entrarem na Capela do Mosteiro, viram Clara ajoelhada, agarrada ao pé do altar. Puxaram-na com tanta força que arrancaram o véu. Perceberam então a cabeça raspada. E Clara confessa diante deles : “Agora sou cristã, toda de Cristo pobre e obediente”. Então os familiares concluíram que nada mais poderiam fazer, pois não conseguiriam mudar-lhe a idéia.

1212-1215: Clara, “serviçal” no Mosteiro das beneditinas: por falta de Mosteiro próprio, Clara foi conduzida por Francisco ao Mosteiro das Irmãs Beneditinas de São Paulo, que não ficava distante e já preparado para recebe-la. Durante os anos iniciais, Clara e suas Irmãs tiveram que conviver com as Beneditinas.

Entre as Monjas Beneditinas, havia duas classes de Irmãs : as de origem abastada, ricas, que levavam consigo para o Mosteiro os dotes, heranças para o Mosteiro. E as pobres, que nada tinham ao entrar no Mosteiro. Estas formavam a segunda classe, as Irmãs Serviçais. E como o ideal de Clara era distribuir seus dotes, toda a sua riqueza material, hereditária, aos pobres, ela deseja entrar no Mosteiro como “serviçal”.

Clara e a renúncia de tudo: ao optar pelo estilo de segunda classe, as “serviçais”, Clara revela que desejava criar uma vida contemplativa, a estilo de seu amigo Francisco, onde todas seriam Irmãs na igualdade e na pobreza radical.

III. Encontro definitivo com Francisco e seus irmãos: Clara não gostava do luxo no Mosteiro  de São Paulo. Francisco a transfere para a Ermida em Santo Ângelo de Panzo. Lá recebe, no dia 04 de 1212,  a Inês, irmã de Clara, também fugida de casa. 

São Damião: logo depois, Francisco faz uma adaptação em São Damião e transfere as Irmãs para lá, onde outras Irmãs se unem a elas. E Francisco mesmo se encarrega da sua Formação Espiritual e dá-lhes a primeira Forma de vida.

Pobreza radical: foi a luta de Clara, desde o início : viver como os pobres. As que entravam no seu Mosteiro, se tivessem algum bem, diferentemente como as Beneditinas, teriam que distribuir aos pobres todos os “seus dotes”, “posses”, como a mãe Clara, assumindo a pobreza absoluta e total vivência fraterna.

Em 1216, Clara recebe do Papa Inocêncio III a aprovação de seu Projeto de Pobreza, porém, sem incluir “Projeto Radical”. Pois temia sobre a sobrevivência das Irmãs e futuros Mosteiros. com a preocupação da “sobrevivência” dos Mosteiros, o Papa tenta impedir Clara no seu projeto de “pobreza radical”.  Com isso, abriu-se uma luta entre Clara e o Papa. Clara porém, não desiste. Continua sua luta pela “pobreza radical”. Sabia o que queria e pretendia ficar fiel à sua vocação. E, no dia 09 de agosto de 1253, dois dias antes de sua morte, Clara recebe a visita do Papa Inocência IV, um grande amigo seu, que finalmente aprova a “Forma de Vida”, escrita e solicitada por ela, com a inclusão do “Privilégium Paupertatem”, a Pobreza Radical.

Clara e Francisco: símbolos de um “franciscanismo libertador”. Já aos 12 anos, Clara começa a conhecer e mesmo encontrar-se às escondidas com Francisco, que renunciara as riquezas e a própria família para servir e conviver com os pobres. Seria seu grande mestre, pois com ele, aprende a buscar uma vida não de aparências e superficialidades, mas ”existencialista”, de valores profundos e sólidos que pudessem preencher também para ela seu modo de existir, que buscava : humildade, pobreza e vivência fraterna. Logo, como Francisco, foi se convertendo a Jesus Cristo, que “esvaziando-se”, se fez pobre e humilde.

Sempre unidos: Também Francisco começa a interessar-se por Clara. Ao ouvir falar desta “nobre donzela”, teve a iniciativa de visita-la, conhece-la. Começaram a caminhar sempre juntos, numa mesma espiritualidade evangélica, se espelhando um no outro. Francisco manteve um relacionamento com Clara, dentro de uma espiritualidade de também “núpcias místicas”. Francisco, mesmo sabendo que Clara se considerava “Plantinha” sua, deixava-a conduzir, livremente, sua vida, convicções, experiências a seu modo. Mesmo nem ia muito a São Damião, respeitando a originalidade daquele Mosteiro. Porém, sempre unidos na mesma espiritualidade evangélica, conseguiram o objetivo: criar um “franciscanismo libertador”.

IV. Clara, esquecida por 800 anos: Figuras marcantes na cristandade: Francisco e Clara: Já Francisco, ao iniciar uma “vida nova” no campo da Vida Religiosa de sua época, aceitou de que o estilo de vida dele não poderia ser privilégio dos homens. Influenciou, inspirou e atraiu muitas mulheres com seu modo radical de viver o Evangelho. Foi então que Clara se uniu a ele,  na caminhada junto aos pobres, marginalizados.   Clara se une a ele, sobretudo num trabalho em defesa das mulheres sofridas e desrespeitadas.  Logo, Clara e Francisco se propuseram caminhar unidos, o feminino com o masculino, em belas “núpcias místicas” e se tornaram figuras marcantes, importantes, na sociedade e na Igreja da época. O que nos chama a atenção na história, Francisco bastante lembrado e celebrado, enquanto que Clara, a Mulher corajosa do seu tempo, esquecida na história, até mesmo bastante entre as Congregações Franciscanas femininas. Fundaram-se muitas Congregações Franciscanas Femininas, inspiradas em Francisco, e Clara a esquecida. Clara permaneceu no silêncio, no anonimato, durante 800 anos.

1953: oitocentos anos de Santa Clara: Clara de Assis, uma desconhecida. Por oito séculos, a figura de Clara passa despercebida. Mesmo hoje,  ainda bastante despercebida. Ainda pouco a conhecemos e valorizamos. Será que a celebração desta data dos “oitocentos anos” nos traria de volta a figura, testemunha desta corajosa mulher que se chama Santa Clara de Assis?

Não caberia, sobretudo a nós, Irmãos Menores, rever, avaliar qual o valor de Clara em nossa vida franciscana e clariana? Se Francisco e Clara nos ensinam que caminhando sempre unidos, inspirando-se Francisco em Clara, e vice versa,  numa verdadeira “núpcia mística”, como nos franciscanos poderíamos “divorciarmos” de Clara em nossa caminhada franciscana ? Caminhar sem Clara de Assis, é enfraquecer-nos como Irmãos Menores. Até no Vaticano surgiram vozes favoráveis à “revitalização” de Santa Clara no mundo de hoje, tão necessitado de mulheres “claras”, corajosas, lutadoras, como Clara de Assis . Francisco e Clara caminharam unidos. Separa-los na história, é enfraquecer o próprio franciscanismo :

O Papa Pio XII, em 1958, tencionava em encontrar um protetor para os meios de comunicação, sobretudo da Televisão, que então vinha despontando. Foi inspirar-se num relato sobre Santa Clara, que numa noite de Natal, estando de cama doente, conseguiu ver e ouvir toda a celebração eucarística. Diz o Papa : “Como se recorda, numa noite de Natal de Jesus Cristo, em Assis, jazendo doente em sua cama no Convento, ouviu como se estivesse presente aos cantos piedosos na celebração da Igreja de São Francisco de Assis, e viu o Presépio do Menino Deus…Nós apoiados numa consulta à Sagrada Congregação  dos Ritos, em nosso conhecimento seguro  e madura deliberação, e com plenitude apostólica, em força desta carta e de maneira perpétua, fazemos, constituímos e declaramos Santa Clara, Virgem de Assis, Padroeira celeste da Televisão, outorgando-lhe todos os privilégios e honras litúrgicas que são ritualmente devidos a tais patronos…Dado em Roma, junto de São Pedro, sob o anel do Pescador, no dia 14 de fevereiro de 1958, décimo ano de seu Pontificado”.

O Papa João Paulo II: numa pregação sua  às Clarissas, no dia 12 de março de 1982, o Papa João Paulo II declara a importância de Clara e Francisco, num espírito de unidade, também no mundo de hoje. Afirma o Papa em seu  discurso “…Em nossa época é necessário repetir a descoberta de Santa Clara, porque é importante para toda a Igreja; é a lição de Francisco que encarnou um ideal para nós; é a lição de Clara, sua primeira seguidora. É um ideal feito de mansidão, de humildade, de profundo sentido de Deus e de empenho que deve servir a todos os homens e mulheres deste mundo…É necessário redescobrir esse carisma, essa vocação. Urge redescobrir a lenda de Francisco e Clara”.(Cfr Documentos OFM, nº 16, pg. 56).

Para nós, Irmãos Menores, urge redescobrir Clara de Assis, e orgulhar-nos com  seu testemunho de mulher santa e corajosa. Caminhar juntos: Franciscanos e Clarissas.

Necessitamos urgentemente de “Franciscos “ e “Claras” no mundo de hoje, sobretudo em nossa caminhada de franciscanos. “Urge redescobrirmos a verdadeira lenda de Clara e Francisco” : com a força e ternura dos dois, com sabedoria prática e vivencial do seu espírito interior, à luz do Evangelho e da Regra de Francisco e Forma de Vida de Clara, cabe a nós buscar constantemente momentos de estudos, de contemplação, de conversão, de renovação, e assim seguir em frente numa caminhada solidária, de partilhas. Isto, desde a Pastoral Vocacional, até a Formação Permanente. Importante para nós, Irmãs Menores, posicionarmo-nos com uma mentalidade mais positiva, construtiva, com Clara de Assis, enfim, com todas as famílias franciscanas femininas e delas aprendermos experiências religiosas femininas: Clara e Francisco, inseparáveis. Também nós, a exemplo deles, hoje, franciscanos e claríssas inseparáveis.

Enfim: AMÉM-AMÉM: Clara, invocando a bênção do Senhor sobre suas irmãs, nos deixa, no final da bênção, em poucas palavras, também a inspiração para nós : “…AMEM  sempre as suas almas e as de todas as suas irmãs (de todos os seus irmãos), e sejam sempre solícitos na observância do que prometeram a Deus. O Senhor esteja sempre com vocês, e oxalá estejam vocês também sempre com Ele. AMÉM”.  ASSIM SEJA.

Foto: Banco de imagens gratuito – Cathopic.

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