Experiências da Missão Cururu – Parte 3

Experiências da Missão Cururu – Parte 3

A cada dia da semana tinha surpresas lindas. O povo munduruku tem uma alegria contagiante. A semana passou bem rápido.

Relato: Frei Bruno Laviola

E de repente um barulho de motor e junto com ele a luz clareou forte em meu rosto, era mais ou menos 6h da manhã. Começavam os preparativos para a Missa Solene que marcava o início das festividades da Caravana. Fomos apresentados por Frei Edilson e de antemão falou que eu era enfermeiro em Minas Gerais. Voltamos para o lugar onde estávamos e começava a saga para não ser picado por um mosquitinho chamado por eles de pinhu, que ao picar não sente nada, só depois que cria uma bolinha de sangue no local da picada e coça muito. Foi superado com repelente.

Ao término da Missa, a aspirante veio me procurar pois a Enfermeira do setor queria me conhecer e falar comigo, fui lá para ver o que era. “Frei, não sei se o Senhor sabe, mas estamos no tempo da troca do pessoal que trabalha por aqui nas aldeias. Como está tendo o evento me preocupo em deixar descoberto a enfermaria daqui porque tem mais de 1.000 pessoas aqui, será que o senhor poderia assumir a enfermaria neste um dia e meio que é o tempo que leva para trocar?”. Pensei comigo que estava ali para servir, mas era algo bem complexo, já que não sabia muito sobre o local. Aceitei.

Numa passada rápida pelos setores da enfermaria a enfermeira me mostrou tudo. Injetáveis para picadas de animais peçonhentos, remédios em geral, material de curativo se precisasse suturar alguma coisa, ficava numa maleta de socorros, me explicou tudo. Rezei a Deus para ninguém precisar de nada daquilo, mas se precisar, estaria ali e assim passei dois dias ajudando no que podia. Ajudava em tudo um pouco. Passei por vários setores querendo conhecer bem e aproveitar o máximo aquele momento que vivia.

A cada dia da semana tinha surpresas lindas. O povo munduruku tem uma alegria contagiante. A semana passou bem rápido. Iniciávamos sempre com a oração pela manhã, tomávamos café, às vezes rezamos juntos com a irmã e o café da manhã era junto, e assim também às vezes algumas refeições. Pela manhã sempre passava na enfermaria para aprender com eles, a tarde conhecia mais de perto cada família que ali se encontrava para a festa.

Comida era o que não faltava. Uma curiosidade entre eles é que uma verdadeira comunhão se dá com o alimento. Se os caçadores encontram caças ou na pesca trazem peixes, todos comem e se fartam, agora se a colheita tanto em terra ou água não foi frutuosa, ninguém come. A partilha acontece na abundância e também na falta.

Algo bem curioso fica em torno da internet. O pessoal da secretaria de saúde de Jacareaganga, disponibiliza internet onde tem as enfermarias para ficar mais fácil a comunicação caso tenha uma emergência/urgência para encaminhar a cidade. O contato é feito e se preciso e o tempo ajudar um avião bimotor é enviado para locomover o paciente. Isto é, se tiver avião disponível e se o tempo que é imprevisível contribuir, mas o fato interessante é que as 19h ligava o motor que gerava energia para a aldeia inteira e nesta hora ligava o modem da internet. Ao redor da casa das irmãs onde fica a enfermaria ficava muita gente aguardando o sinal da internet chegar para tentar falar um “oi”… e quando chegava, que alegria era.

Assim foi a semana; muita dança, muita festa, muito aprendizado e muito respeito uns aos outros. No dia em que eu estava atendendo de enfermeiro, houve uma chamada de urgência. O filho de uma índia já bem idosa foi chamar o Pain enfermeiro para uma visita na sua casa, pois ela estava muito fraca, não comia, dor pelo corpo e queixava bastante indisposição. Peguei o material e pedi que Frei Walter me acompanhasse até a casa. Chegando lá percebi que aquela senhora estava bem quente, suando muito e gemia com dores. Chamei por um tradutor porque ela não falava português, os homens compreendem mais que as mulheres, e ao ver os sinais vitais percebi que estavam pouco alterados, mas a febre era bem alta. Olhei para os lados e não vi banheiro que poderia dar um banho mais frio para abaixar a temperatura. Nesta hora pensei que compressas frias poderiam servir e foi isso que fiz. Só que com uma diferença.

O Pajé havia sido chamado também para olhar a senhora. Quando ele me viu, disse: “Pain, a febre abaixou?” Eu disse que não ainda, mas ia dar o remédio. Ele fez uma oração e pediu que colocasse uma cuia com água e um ramo macerado debaixo da rede da senhora. Ali percebi que para aquele povo o remédio que havia dado valeria 50% e a outra metade seria a oração do pajé. Como precisava diminuir a temperatura mais rápido, pedi para que naquela cuia de água com o ramo fosse colocado água gelada e daquela água fossem feitas as compressas para diminuir a temperatura. Fizemos nosso trabalho e disse que em um tempo de 2 horas voltaria para ver como a senhora estava passando. Pedi que fosse dado um pouco de alimento caso ela sentisse fome.

Quando retornei a casa para minha alegria a senhora estava sentada na rede, um pouco fraca, mas já se alimentando e com os dados vitais normais. Fiquei a imaginar se realmente teria sido a ação do remédio, as compressas, a oração do Pajé, ou as três ações juntas. Um sorriso dela e da família foi o agradecimento. Assim terminava mais um dia na Missão.

O tempo passava lento e ao mesmo tempo rápido demais. Quando percebemos já estava na hora de voltar. Desta vez, Frei Edilson contratou um avião bimotor do grupo Primavera que realiza estes transportes nas regiões. Uma experiência bem interessante, mas que não deixa de dar um pouco de medo. Decolamos logo após o almoço da Missão Cururu, isso umas 13h da tarde e o que eu não sabia é que este horário é que o avião balança mais por causa dos ventos intensos, dando para imaginar qual era minha reação. Mas o piloto, um cara bem experiente e cuidadoso deixou o voo alegre, nos mostrando bastante coisa lá do alto.

Do alto contemplamos as belezas, mas também os problemas que o garimpo vai causando nas terras. Represas de águas enormes e terras remexidas estão em grande parte com uma coloração bem escura.

Chegando em Jacareaganga, Frei Ari, dos Carmelitas Descalços, nos aguardava para levar a casa paroquial e iniciaríamos a volta novamente até Santarém.

Confira a parte 1 de Experiências da Missão Cururu clicando aqui.

Confira a parte 2 de Experiências da Missão Cururu clicando aqui.

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